
O apontamento da RTP põe "conhecidos" dizendo o que levariam na mochila se fossem refugiados. A estupidez está no facto de que eles nunca serão refugiados e os espectadores também não. Reduz o drama ao conteúdo da mochila. Não ajuda nada nem ninguém – hoje. Promove pensamentos de solidariedade sem qualquer tradução prática, sem qualquer perspectiva de ajuda a refugiados, em suma, uma falsa solidariedade para aliviar os espíritos. Não se distingue dos "likes" inconsequentes no Facebook.
A estupidez pode sempre ir mais longe – e foi. A ministra norueguesa da Imigração atirou-se ao Mediterrâneo dentro dum fato ridículo que flutuava para ficar a saber como é belo para um refugiado a morrer afogado ver ao longe um barco salva-vidas.
Já o programa da SIC ‘E se Fosse Consigo?’ dá um novo passo na falsificação do jornalismo: filma com câmaras ocultas uma situação ficcional com actores; a jornalista Conceição Lino sai do carro de exteriores como se fosse uma agente do FBI em acção e faz perguntas a transeuntes que assistiram à ficção.
As cenas (pai racista, mãe que insulta filha gorda) são exageradas, para espevitarem quem assiste. Alguns dos entrevistados depois da cena dizem-no.
As reportagens (?) têm elementos interessantes, como depoimentos de quem já viveu situações de opróbrio. Mas tratam em ficção de coisas sérias, como o racismo, e transformam-no numa acusação a quem não reage perante as cenas de telenovela criadas pelo programa, como se ser anti-racista implicasse interromper uma discussão num café entre um pai racista e uma filha com um namorado negro interpretados por actores. O ponto de partida é nefasto: não pergunta "se fosse você o pai racista", mas antes o que faria se assistisse a uma cena estúpida com um pai racista.
É um reality show, mais um degrau que o jornalismo desce. Tal como a TVI inventa cenas nos seus trezentos Big Brother como se fossem realidade, ‘E se Fosse Consigo?’ inventa cenas ficcionais como se fossem jornalismo. Nesta ficção, Conceição Lino é a Teresa Guilherme do jornalismo.
A SIC ralha connosco por não nos metermos numa conversa, mas é caso para perguntar-lhe: em 23 anos, quantos jornalistas e apresentadores negros, asiáticos, ciganos, obesos e obesas pôs a SIC à frente das câmaras?
Manifestações sociais das não-elites
Como está a temperatura político-social? Para alguns media, o governo está numa situação extraordinariamente boa. Corre-lhe tudo bem. Costa é um génio. Os partidos estão sossegados. As organizações do costume – ora do PCP-CGTP ora da extrema-esquerda – ou não se manifestam ou não têm ninguém nas ruas. O povo está feliz com a geringonça.
Mas, entretanto, tem havido importantes manifestações da sociedade civil desvinculada dos partidos e organizações mais politizadas: manifestações de suinicultores e produtores de leite e, sexta-feira, dos taxistas.
Comentadores e parte dos media fazem deles acontecimentos laterais à vida política. Há media que não se rebaixam a falar da política feita pelas não-elites. Só se for espectacular, como a dos taxistas. Ignorar o pulsar subterrâneo da sociedade, quando não o vemos, é normal. Outra coisa são acontecimentos feitos precisamente para os vermos, como estes. Felizmente que há media que os acompanham.
Tenho uma coisa para dizer mas não digo
O ‘Expresso’ escreveu em manchete que há uma lista de políticos e jornalistas a quem o grupo Espírito Santo pagou debaixo da mesa por serviços prestados – mas não a divulgou. Instado a não deixar suspeitas em suspenso, diz que só divulga quando tiver investigado. Daqui a um ano? Dois? Porque lançou a suspeita em manchete? Investigará todos?
1 de Maio de 2016
2 comentários:
Meu caro amigo, isto hoje é simples.
Uma única palavra: pois ...
Dá a sensação de que está tudo bem em Portugal agora que o governo já não é mais de Direita. Tudo bem camuflado e depois no fim pagam novamente os mesmos dos costume.
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